data-filename="retriever" style="width: 100%;">Não me canso de afirmar que somos múltiplos. Agora mesmo - relembrando um episódio que se deu quando eu fazia parte do chamado Supremo Tribunal Federal e me encontrei com dom Tomás Balduíno, em Brasília -, isso é evidente para mim.
O secretário nacional de Justiça convidara-nos para falarmos sobre a função social da propriedade. Tornamo-nos prontamente amigos e ele me convocou para comparecer ao lançamento da Frente Parlamentar da Terra, no correr da tarde desse mesmo dia, 10 de abril de 2007.
Tudo o que ele disse pela manhã e à tarde, em um vigoroso discurso, me encantou. Após a releitura de transcrições e anotações que guardo comigo, tentarei sintetizar o quanto ele então significativamente afirmou.
Afirmou que a Constituição e o direito são coisas vivas, fazem parte do nosso dia a dia, não são tábuas de pedra. Em razão disso, fala-se uma hora para o bem da Constituição, outra hora mal. Depende do objetivo de quem estiver a falar.
A Constituição avançou de uma forma irreversível no sentido da função social da propriedade. A propriedade há de atender a sua função social, de sorte que ela - a função social - não é uma limitação do uso da propriedade. É elemento essencial que compõe a definição da propriedade privada, dando fim a sua concepção como direito absoluto. Daí que a propriedade nada tem a ver com a sua origem, mas sim com sua finalidade.
Não obstante seja assim, a tendência hoje, segundo afirmou dom Tomás, é a grande propriedade, de modo que um dia teremos milhões de hectares nas mãos de um mesmo grupo econômico. Por conta disso, afirmou a necessidade de apresentação, ao Poder Legislativo, de um projeto de emenda constitucional que viesse a estabelecer a perda da propriedade em razão de seu tamanho. A propriedade imobiliária somente poderia existir quando não excedesse determinados limites.
Isto posto, em seguida pediu-me que manifestasse apoio a essa proposta!
Um momento terrível, de verdade. Sussurrei ao seu ouvido que não era eu, mas o ministro do STF que estava ali. Ele, no entanto, insistiu e falei por uns dois ou três minutos sem dizer nada, de verdade!
Mencionei a alegria que tomava conta de mim por ter me tornado amigo seu. Além de tudo em razão da minha fraterna, imensa amizade com o frei Oswaldo Rezende, dominicano também. Repeti que somos múltiplos e relembrei que o Álvaro Moreyra - gaúcho como eu! - em um poema bem curto, de um verso apenas, afirma que as palavras não dizem nada, melhor é mesmo calar.
Calei-me então, e abraçamo-nos. Lá se foi ele, para o céu, no dia 2 de maio de 2014. É, porém, como se estivesse agora aqui, sorrindo para mim.